Bom, essa é a minha história. Eu, Andreza, 20 anos e
estudante de Letras vos escrevo. É uma história até que curta dura só 20 anos.
Prometo ser breve.
Ok, vamos lá. Sou a filha mais velha do segundo casamento da
minha querida mãe, além de mim tem minha irmã que é pouco mais de um ano mais
nova do que eu. Papai é militar da aeronáutica, mamãe, durante a minha infância
e grande parte da adolescência, dona de casa. Uma linda família de moldes
tradicionais e mimimi. Só vai ter um porém. Sempre fui tida como A inteligente
da casa, aquela que tinha futuro e blábláblá, mas chega um dia que a criancinha
perfeita “quebra”.
Mais ou menos com sete anos fui diagnosticada com epilepsia
e passei a tomar um remédio, que jamais lembrarei o nome, e que me deixava
dopadona. Era tomar o remédio e dormir. Mas o remédio NÃO surtiu efeito e eu
continuava a ter repetidas crises epiléticas, resultado: meu pai foi atrás de
convênio e fizeram uma bateria de exames e trocaram o remédio para: GARDENAL. O
Gardenal surtiu o efeito previsto e não tive nenhum efeito colateral, quer
dizer, só as piadinhas e o bullying tradicional que fazem. Bullying também
rolou quando comecei a usar óculos, quando usei aparelho, porque sou baixinha,
etc. Bullying e eu somos amigos íntimos.
Vamos pular alguns bons anos, vamos aos quinze/dezesseis
anos. Lembra-se da epilepsia? Então, no começo do tratamento uma médica disse
pra mim e pro meu pai que meu tratamento ACABARIA quando eu completasse dezoito
anos, mas vamos ao desenrolar da história. Acabei trocando de médica e
consequentemente de remédio. Comecei a tomar um chamado Depakene e ele teve um
efeito colateral pra lá de grotesco no meu corpo. Engordei 15kg em menos de
quatro meses. E sabe o que aconteceu comigo? BULLYING! Mas não só bullying
“charmoso” e “camarada” dos coleguinhas de escola, mas também da minha querida
mamãe. Minha mãe sempre separou muito bem os apelidos dados a minha irmã e a
mim. Pra minha irmã era “baleia” e pra mim “vara-pau”, mas mudou. Ela começou a
me chamar carinhosamente de baleia pra baixo. E eu que nunca fui um poço de
estabilidade psicológica (tema para outro texto), surtei J.
Não foi um surtinho. Meu surto foi do tipo: fazer escândalo
pra trocar o medicamento ou eu paro de me tratar! Beleza, o escândalo
funcionou. Hoje penso que poderia não ter funcionado e que eu seria feliz e com
uma saúde ótima. Enfim, troquei mais uma vez de remédio, desta vez para o
Topiramato ou Topamax como é mais conhecido. Também teve um efeito colateral
bizarro no meu corpo (e um rombo no orçamento familiar gigantesco), só que
dessa vez o efeito foi inverso. Os 15Kg que eu tinha ganho foram embora e
levaram junto mais cinco e minha saúde física e mental.
De quase 65kg eu fui pra 45kg em menos de DOIS meses. Estava
magra de novo, aliás, estava beeeem magrela. Mas meu cérebro não associou essa
informação. Eu me olhava no espelho e continuava a me achar enorme, gorda e
gigante. E sendo bem sincera, o seu cérebro pode te enganar e, caso queira,
planejar sua destruição quando ele quiser. Vai por mim, eu sei do que estou
falando.
Sabe anorexia, bulimia? Então, foram parceiras minhas. Mais
a anorexia, vulgo Ana, que a bulimia, vulgo Mia. Olhar-se no espelho e se
sentir feia é comum, normal, mas se sentir diminuída, com vergonha de si mesma,
querendo sumir por causa do seu corpo e se machucar por isso é outra coisa, é
outro nível. Não é brincadeirinha de adolescente que quer chamar a atenção,
como muitas vezes escutei, é coisa séria. É algo que afeta a vida da pessoa pra
sempre.
A Ana me deixou sérias consequências. Muitas deles carrego
comigo até hoje. E não, eu não acho bonito eu gritar ao mundo que eu não comia
por dias. Acho muito vergonhoso. Quando comecei a me sentir mal com meu corpo e
surtei não só parei de comer como encontrei meios para não sentir fome. Estudei
muito por cima como funcionava o corpo humano e saquei como driblar a vontade
de mandar calorias pra dentro do corpo. Fiquei viciada em ler tabela
nutricional, aliás, até hoje leio tudo o que como e pesquiso tudo o que penso
em comer. Imprimi inúmeras tabelas com os números de calorias e sabia de cor
quanto uma bala de coco afetaria meu organismo. Jogava fora metade da comida
que colocava no prato, que já não era muita, quando não vomitava tudo. E
chorava, chorava muito.
A neura de emagrecer é bizarra. Eu já tinha perdido tudo o
que precisava, mas queria mais. E de 45kg fui perdendo um quilo por vez. Até
que cheguei aos 42kg e percebi que não conseguia mais emagrecer e comecei a
ficar deprimida e procurar mais meios de como emagrecer. Loucos não assumem que
são loucos, magros sempre se chamarão de gordos. Eu já estava pior que o Daniel Johns, mas nunca
aceitaria aquilo. Aquela essa altura meu estomago já tinha ido pro espaço.
Durante todo o tempo que fiz essas grandes bizarrices eu
sempre achei que todos estavam contra mim. Que ninguém queria me ver feliz. Que
não entendiam o meu propósito, que não entendia a beleza que eu via e que eu
queria. Na verdade eu só estava me destruindo e tentando me matar e graças a
alguns bons amigos eu sempre fui impedida disso. Graças a alguns que me deram
tapas na cara, me apontaram o dedo e gritaram comigo me chamando de louca e
ameaçando me internar. Graças aqueles que me socorreram quando eu desmaiei no
meio da rua e dentro da sala de aula. Graças aqueles que fizeram cara feia e me
obrigaram a comer. Graças aquele que chorou no meu colo porque eu estava muito
magra. Graças ao cara que disse: se você não comer, eu também não como. Graças
a inúmeras atitudes.
Hoje metade das coisas que aconteceram realmente me afetam,
sempre reinterarei isso. Baixa autoestima pode ser colocada em primeiro lugar,
mas esse é o pior dos problemas. Enquanto todos se entopem de comida quando
estão nervosos ou coisa parecida, eu não sinto fome nenhuma. Posso passar horas
sem comer e não sentir fome, muitas vezes eu só como por vontade de comida
mesmo. Qualquer coisa que me abale é uma certeza que dois ou três quilos serão
perdidos e será um trabalho de, pelo menos, quatro meses para recupera-los.
Mas sabem, mesmo com a tremedeira das minhas desordens
neurológicas, meus quatro olhos e a boca de ferro, da qual me livrei, foi tudo
sempre de boa. Eu sempre levei na esportiva e tirei de letra todas as
dificuldades que tive com todos os itens supracitados, mas não com meu corpo.
Ok que até hoje sou mega encanada com minha aparência e com todo e qualquer
detalhe do meu corpo, mas consigo ser mais leve e fazer até piadinhas com isso.
Essa é a hora que eu deveria concluir, mas bem... eu não
consigo. Ainda faço tratamento de epilepsia e vivo me vigiando, e sendo
vigiada, pra comer pelo menos uma vez ao dia. Não dá pra colocar um ponto final
e dizer: VIU GENTE, ME CUREI DE TUDO! SOU LINDA, UMA PRINCESA! Não existe cura,
nem pra epilepsia, nem pra anorexia/bulimia. Amanhã eu posso estar jogada na
rua tremendo, ou ficar não sei quantos dias sem comer. Não sei o que a vida
determinou parar mim. A única coisa que eu sei é que eu tenho que esperar, esperar
e me manter o pensamento firme. Porque se eu não morri antes dos dezoito anos
não é depois deles que irei perecer.